Os impactos da pandemia mal foram superados pela economia global, e eventos adversos em importantes rotas marítimas voltam a ameaçar o comércio internacional - e podem deixar impactos no Brasil.
As secas estiveram no centro das atenções em 2023. No canal do Panamá, o calor intenso fez com que a água dos reservatórios se evaporasse com maior rapidez. Esta seca diminui o fluxo de navios que cruzam o país da América Central, por onde passam cerca de 4% do comércio global.
Segundo José Cervantes, gerente geral do escritório do Panamá da agência de transportes marítimos Agunsa S/A "Geralmente, cruzam diariamente o Canal entre 40 e 50 navios, mas esse número teve que ser reduzido para cerca de 24, o que deve valer a partir de fevereiro de 2024". Esse trajeto permite transações entre a Ásia, Europa e a costa leste dos Estados Unidos. Isto levou as empresas a buscarem rotas alternativas. Uma delas é o Canal de Suez no Egito, mas os ataques de pirataria dos Houthis do Iêmem fizeram com que essa se tornasse uma rota intransitável para muitas companhias marítimas.
Os que não atravessam o Canal de Suez optam por utilizar o Cabo Horn, no extremo sul do continente sul-americano. Esta alteração de rota impacta em 17 dias a mais de viagem, e alta no custo dos fretes.
Com os conflitos no Mar Vermelho longe do fim, os prejuízos para os principais setores, inclusive o agronegócio, podem ir além da alta nos fretes marítimos e um tempo maior de navegação.
Por ano, aproximadamente 16 mil navios cargueiros passam pela rota do Canal de Suez. Esse volume representa aproximadamente 15% do mercado global, movimentando US$ 1 trilhão ao ano. Trata-se da principal rota de escoamento de bens de consumo da Ásia para a Europa, além de ser um importante trajeto de navios tanque com petróleo, óleo e derivados.
Este conflito tem potencial de alterar significativamente os preços de diversas commodities e derivados. Seja por conta de atrasos, custos adicionais, adversidades logísticas ou incertezas de mercado, os efeitos dos ataques devem ser sentidos em quase todo mundo.
Com os ataques, os principais armadores do mercado precisaram alterar suas rotas. Agora, no lugar de trafegar pelo Canal de Suez, os navios estão sendo direcionados para passar pelo Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, o que resulta em um acréscimo de 13 mil quilômetros em distância de uma viagem de ida e volta entre Ásia e Europa. A mudança já tem como impacto o atraso de pelo menos 10 dias e uma alta no custo dos fretes marítimos que já ultrapassou os 100% da Ásia para Europa e 50% da Ásia para os Estados Unidos. As informações fazem parte de um levantamento realizado pela ElloX.
Gráfico da Elevação no custo dos fretes marítimos. Fonte: ElloX.
Ainda, com o acréscimo do trajeto, estima-se que o custo de combustível alcance mais de US$ 300 mil, sem contar o custo de seguro e “taxa de risco” que passou a ser cobrada. Nesse viés, o frete de importação China – Brasil já está em torno de US$3.500/contêiner, um aumento de US$2.000, segundo fontes do mercado, uma vez que a rota corresponde a quase 30% das importações asiáticas. Além da alta no frete, os exportadores agora também precisam arcar com o custo de uma "taxa de risco”, que passou a ser solicitada com o aumento dos ataques na região.
A taxa de risco imposta pelas empresas de transporte, muitas vezes fazem dobrar o custo original do frete. São essas tarifas adicionais que têm feito o custo do transporte crescer.
Por exemplo, desde 1º de janeiro a MSC tem cobrado uma taxa de risco de US$ 450 por contêiner em todos os embarques da costa leste da América do Sul para Oriente Médio, o chamado Ipak (Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh), mar Vermelho e África Ocidental.
A Cosco Shipping também anunciou uma taxa de risco que vão de US$ 500 a US$ 1.500 de embarques do Brasil para os Emirados Árabes Unidos, Omã, Kuwait, Qatar, Arábia Saudita, Índia, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka.
Vale ressaltar também que a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou um possível “colapso energético” mundial futuro, já que a rota do Mar Vermelho representa 10% do comércio marítimo mundial de petróleo e 8% de gás natural liquefeito. Dessa maneira, os atrasos e aumentos de custos refletem no preço de produtos derivados, como os fertilizantes, que para o Brasil têm extrema importância no agronegócio, já que 87% deles são oriundos do exterior, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Nesta semana, a Maersk informou que os ataques associados ao clima de inverno na Europa têm resultado em um congestionamento de cargas. "Isso está levando ao aumento da densidade de pátios em todos os terminais e os clientes são solicitados a retirar suas unidades o mais rápido possível após a descarga para apoiar a fluidez", disse à agência Reuters.
Leandro Barreto, sócio gestor da Solve Shipping, afirma que havia a expectativa de uma superoferta de transporte marítimo em 2024, o que tenderia a baixar os preços do frete.
Mas os navios podem levar até 15 dias a mais para cumprir as rotas com os desvios necessários. Assim, passam mais tempo ocupados e por isso há menos embarcações e contêineres disponíveis.
“Isso consome todos os navios supostamente adicionais que sobrariam em 2024, o que frustra qualquer expectativa de queda mais acentuada nos preços”, diz Barreto.
O levantamento da empresa aponta ainda um aumento no preço médio de importação de contêineres da Ásia com carga seca: hoje em US$ 2.900, um ano atrás em US$ 1.000.
Isso afeta importações de maquinários, fertilizantes, embalagens e outros tipos de insumos, o que impacta a indústrias como a de produção de frutas, diz Zakaria Benzaama, diretor de logística da Abrafrutas.
Para Fabio Pina, economista da Fecomercio SP, ainda que o Brasil não sofra impacto direto dos conflitos, países produtores de mercadorias importadas pelo Brasil podem ser afetados, ou seja, a indústria brasileira viveria as consequências de uma alteração na cadeia de produção global.
Se os entraves permanecerem, no entanto, podem acabar se tornando uma oportunidade para o Brasil, na avaliação de Arno Gleisner, diretor da Cisbra (Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil). “Se isso continuar em um prazo médio ou longo, o Brasil talvez seja uma fonte alternativa de produtos para a costa leste americana e para a África, como um fornecedor de produtos que hoje vêm da Ásia para essas duas regiões”, afirma.
Eric Brenner, CEO da DHL Global Forwarding, concorda. “O Brasil está numa posição geográfica privilegiada atendendo de maneira direta para a América Latina, a Costa Leste dos Estados Unidos, Norte da Europa e a Ásia ,via cabo da Boa Esperança. Mesmo que as exportações do Brasil se baseiem em matérias primas e bens primários, o país vem recebendo ao longo dos anos mais investimentos estrangeiros, podendo crescer no setor de manufaturados e torna-se mais atrativo nas rotas comerciais globais”.
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