As duas sessões anuais do comitê central do Partido Comunista da China (PCCh) terminaram no dia 11 de março em Pequim. Com o nome Lianghui 两会 em chinês, esse evento é a principal janela para que o mundo obtenha insights sobre o que está sendo discutido entre a liderança chinesa e quais devem ser as diretrizes seguidas no futuro.
No artigo desta semana, traremos os principais pontos debatidos e o que devemos esperar da China em 2024.
Quando analisamos as duas sessões, um ponto central é o chamado Government Work Report (GWR), um discurso feito pelo primeiro-ministro, Li Qiang 李强, sobre o atual estado da economia e diretrizes para o futuro. Vamos aos principais pontos do GWR de 2024.
Foco no combate ao faccionalismo.
Um dos desafios enfrentados pela China, principalmente desde a década de 2010, é o chamado faccionalismo, entendido como a tendência de alguns oficiais em darem prioridade aos interesses do seu ministério, departamento, repartição, em detrimento do bem coletivo. Com o crescimento econômico e reformas políticas que a China passou desde o final da década de 70, crimes ideológicos foram removidos da constituição, mas a nova mazela passou a ser a corrupção que, para além de crimes financeiros, também se reflete no faccionalismo.
O presidente Xi Jinping 习近平 tem promovido um incansável combate à esse que é entendido como o principal problema administrativo da China moderna. Slogans como 不忘初心 牢记使命 (nunca se esqueça da intensão original e tenha a missão em mente), podem ser vistos por todo o país, lembrando aos oficiais, de todos os níveis, que sua principal missão ainda é servir ao povo chinês e ao país como um todo.
Como isso se refletiu no GWR deste ano? Vimos o primeiro-ministro Li Qiang enfatizar o que foi chamado de efeitos de coesão, incentivando políticas sincronizadas entre departamentos e ministérios nas áreas da indústria, educação, controle de capitais e capital humano. GWRs de anos anteriores abordaram cada tema separadamente.
A ideia de quebrar silos burocráticos e melhor integrar as políticas sociais e econômicas foi colocada no centro do relatório de 2024, com o papel do governo sendo definido em: “facilitar a inovação”.
Consumo internos deverá ser recuperado via inovação e não incentivos diretos.
A queda no consumo interno chinês foi pauta na mídia global, assim como a aparente falta de incentivos para reverter esse quadro. A política de dupla circulação, já explicada aqui no blog da Lantau, tem como objetivo equalizar a importância dos mercados externo e interno na composição da economia chinesa, mas com os impactos da pandemia ainda se fazendo sentir, muito se especulou sobre quais medidas o governo implementaria para reverter a tendência negativa de consumo dos chineses no âmbito doméstico.
De acordo com o que vimos no GWR de 2024, medidas de incentivos diretos ao consumo doméstico não deverão ser implementadas, o foco será no contínuo investimento em P&D, inovação, e avanços tecnológicos nas principais indústrias do futuro e usar essas inovações como motores para o consumo interno, ao invés de incentivos diretos.
Liu Yuanchun, presidente da Universidade de Finanças e Economia de Shanghai enfatizou: “crescimento sustentável depende do desenvolvimento do lado da oferta, especialmente através da tecnologia e avanços na área industrial.”
Isso mostra que a China está concentrada no longo prazo em manter a liderança em áreas estratégicas, ao invés de reverter tendências econômicas entendidas como sendo de curto prazo.
Expectativas para 2024.
Em webinar sobre o assunto organizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), especialistas da China Policy, think tank especializado em política chinesa, levantaram suas expectativas para 2024:
queda contínua do preço dos imóveis junto com estabilização na construção e investimentos no geral;
crescimento sustentado de investimentos nas indústrias do futuro e
reforma fiscal para garantir a solvência dos governos locais.
O que podemos entender do GWR de 2024 é que não devemos ter grandes movimentos esse ano. O fato de que não houveram trocas de pessoal no alto escalão do governo é outro sinal que o foco está na estabilização da política interna.
A China está totalmente voltada ao futuro, no longo prazo e no crescimento sustentável da sua economia para atingir seus objetivos de desenvolvimento, como também na construção de uma sociedade harmoniosa entre outros.
Dificuldades pontuais aparecerão, mas não tendem a alterar o plano macro do país. Tendências de flexibilização e maior incentivo à vinda de estrangeiros e investidores ao país devem continuar e uma sustentada integração com países do Sul Global ainda está em pauta, embora política externa não seja o assunto central das duas sessões.
A palavra-chave é estabilidade e essa é a China que devemos ter em 2024.
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