Não é novidade para ninguém que um dos pilares da campanha e, a seguir, do governo de Donald Trump nos EUA é uma mudança na relação comercial entre americanos e chineses. Os muitos aspectos das consequências da guerra comercial que se instalou em função disto foram avaliados de forma profunda nos últimos meses. Mas parece que um dos fluxos de comércio passou despercebido pelos analistas: como devem evoluir as importações brasileiras com origem na China?
A imposição mútua de tarifas de importação punitivas entre EUA e China que ocorreu nos primeiros estágios deste conflito ocasionaram de imediato o óbvio: uma forte queda das vendas dos exportadores dos dois lados, que tiveram que buscar clientes em terceiros mercados. Os importadores chineses e americanos, por sua vez, foram forçados a buscar em outras partes do mundo seus insumos regulares. É o que se chama no dialeto econômico de desvio de comércio.
O próximo nível de análise, portanto, foi focar nestes terceiros mercados. Segundo matéria recente do site Nações Unidas no Brasil (https://nacoesunidas.org/brasil-pode-se-beneficiar-com-guerra-comercial-entre-eua-e-china-diz-unctad/), que cita relatório da UNCTAD, a União Europeia deve se beneficiar de cerca de 70 bilhões de dólares do comércio interrompido entre os dois gigantes econômicos. O México poderia se beneficiar de 27 bilhões, ao passo que Japão e Canadá “lucrariam” cerca de 20 bilhões cada. O Brasil “herdaria” uma fatia menor do bolo, estimada em cerca de 10,5 bilhões de dólares, o que não é pouco, pois representaria um aumento de quase 4% em nossas exportações. A soja exportada para a China foi o produto que mais sentiu efeitos imediatos, mas estima-se que até produtos industriais como instrumentos de precisão, máquinas e produtos químicos que deixarão de ser importados da China pelos norte-americanos poderão ser comprados do Brasil.
OK, os efeitos nas exportações parecem claros. O que os mais conhecidos analistas parecem estar negligenciando é o efeito que esta turbulência toda pode ter no curto e médio prazo sobre o que o Brasil importa da China.
Façamos um pequeno raciocínio. O mesmo relatório da UNCTAD citado estima em cerca de 160 bilhões de dólares de perda de mercado para os exportadores asiáticos. Na verdade, quem trabalha regularmente e há tempos no comércio internacional entre Brasil e China já notou os efeitos desta tempestade de uma forma generalizada nos fabricantes chineses. A primeira consequência a esperar já no curto prazo é um aumento de interesse e competitividade entre os fornecedores chineses no mercado brasileiro. Leia-se: mais chineses em feiras no Brasil e preços em dólar baixando. Este efeito será intensificado em segunda ordem pela redução da própria demanda doméstica da China devido à redução do crescimento de seu PIB, que por sua vez é em muito devida às mesmas sanções americanas.
E o médio e longo prazo? Bem, este exercício tampouco é difícil. A soma de 3 fatores deve intensificar o comércio bilateral Brasil-China. O primeiro é o aumento do interesse e reduções de preço dos produtos chineses citado acima. O segundo é uma paridade mais favorável do câmbio real – yuan, uma consequência direta da balança comercial mais favorável aqui e de um crescimento do PIB cada vez menos intenso por lá, o que reduziria ainda mais os preços em reais dos produtos made in China. E há ainda um terceiro fator: uma muito provável nova estratégia chinesa tendendo a diversificar seu comércio e reduzir sua dependência da rota do Pacífico rumo à América do Norte.
E se EUA e China chegarem a um acordo e a guerra acabar? Seria ingênuo imaginar que, após um episódio destes, os Chineses, notórios estrategistas pacientes e prudentes, fossem deixar simplesmente voltar à situação anterior, por mais favorável que lhes fosse então, pois isso implicaria também voltarem a ficar à mercê de outro futuro presidente beligerante e intervencionista na Casa Branca.
A consequência prática para nós? As oportunidades nas relações comerciais e parcerias de todo tipo entre Brasil e China vão aumentar, o governo de Pequim deve iniciar diversas medidas de facilitação e estímulo de comércio bilateral conosco e os produtos chineses devem resultar ainda mais competitivos.
Se somarmos a isso o claro viés liberalizante da equipe econômica do governo que recém assumiu em Brasília e as melhores perspectivas de crescimento econômico do próprio Brasil neste momento, está formado o coquetel que deveria atrair muitos no sentido da descoberta de novas oportunidades de negócios com o gigante asiático.
Agora.
Para estar completamente azeitado e funcional quando condições ainda melhores de mercado se concretizarem.
O empresariado brasileiro é conhecido no mundo por sua passividade e comodismo devido às proteções comerciais contra produtos e serviços estrangeiros, o que sempre deixou cativo o grande mercado interno. Há uma tradição de só olhar o exterior em momentos de crise interna. Resta torcer para os últimos turbulentos tempos terem amadurecido nossos empreendedores e que estes se antecipem a esta oportunidade histórica que está por surgir.
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