Vilas chiques, prédios de apartamentos altos, lagos, parques, shopping centers, praças e extensas redes de estradas: as cidades fantasmas da China têm de tudo. Apenas um elemento crucial está faltando - as pessoas.
Construídas para uma população que nunca apareceu, cerca de 50 desses locais surreais resistem desolados por todo o país. Mas ainda assim a construção continua.
Nas últimas décadas, a China experimentou um rápido crescimento econômico. Hoje, é uma das principais economias do mundo.
No entanto, para evitar que todos os empregos fossem para as cidades costeiras, a China construiu em suas áreas rurais. Muitas delas são verdadeiras réplicas de cidade da Europa e outros lugares.
Os governos locais em todo o país tentaram estimular suas economias construindo mais infraestrutura e estimulando o mercado imobiliário.
Essa construção aparentemente esbanjadora é executada tanto por empresas estatais quanto por empresas privadas.
Segundo Wade Shepard, autor do livro Cidades Fantasmas da China, pode haver mais de 64 milhões de apartamentos vazios na China. Além disso, muitas pessoas compram as propriedades como um investimento, sem a intenção de se mudar para lá.
Segundo McMahon, ex-jornalista do Wall Street Journal na China, uma cidade fantasma pode se tornar habitada, dependendo de sua capacidade de criar empregos e crescimento industrial.
Veja o caso de Zhengdong em Zhengzhou, capital da província de Henan, na China Central, o governo deu dezenas de milhões de dólares em incentivos à Foxconn, fabricante taiwanesa de iPhones da Apple, no que a empresa concordou em abrir uma fábrica no cidade. A fábrica empregou mais de 200.000 pessoas e transformou a cidade.
Outro bom exemplo é a cidade de Ordos no distrito de Kangbashi, uma cidade no meio dos desertos estéreis da Mongólia Interior, já se viu presa com fileiras de prédios de apartamentos recém-construídos, mas vazios, ganhando reputação nacional como guicheng, ou cidade fantasma. Porém, as autoridades municipais mudaram algumas das melhores escolas da cidade para o distrito de Kangbashi, o que foi suficiente para que muitos pais buscassem as melhores escolas para seus filhos. A municipalidade criou regras rígidas exigindo que alunos que frequentassem a escola teriam que possuir uma casa dentro do distrito elevando assim o preço da moradia e estimulando a ocupação e o desenvolvimento econômico da cidade.
Alguns meios de comunicação chineses celebraram Ordos como um modelo de como lidar com o excesso de moradias, mas a verdade é que essa não é uma tática incomum. Tianjin, por exemplo, construiu uma nova escola na área atingida pela explosão de agosto de 2015 para ajudar a vender casas ali.
A priorização da venda de propriedades em relação ao sistema educacional ressalta a dependência da China de imóveis para impulsionar sua economia e financiar os gastos do governo.
O investimento em propriedade impulsiona diretamente o produto interno bruto e estimula a demanda em setores relacionados, como aço e cimento.
"Em países normais, os condomínios são construídos porque há demanda", disse um economista do Conselho de Estado da China. "Na China, os condomínios são construídos para aumentar a produção de aço e cimento. É um retrocesso."
O dilúvio de investimentos imobiliários nacionais que ajudou a impulsionar o recorde de 18,3% do PIB da China no último trimestre fez alguns observadores alertarem sobre um potencial excesso.
De acordo com a Haitong Securities, mais de 30% do crescimento econômico até o final de 2020 pode ser explicado pelo investimento imobiliário, mais do que a contribuição média do campo na última década. Muitos governos locais não conseguiriam sobreviver sem a receita da venda de terrenos para habitação e a receita do imposto sobre a propriedade.
O desenvolvimento que ajudou a impulsionar a recuperação da China do surto de coronavírus deixou cidades de nível inferior com um acúmulo de casas em excesso. Os estoques de novos condomínios atingiram uma alta de quatro anos e meio em metragem quadrada no final do ano passado, de acordo com o E-House China R&D Institute.
Além disso, o crescimento populacional estagnou. O número de pessoas na faixa dos 20 e 30 anos - a principal idade para comprar uma casa - já está diminuindo.
“A maioria das cidades fantasmas chinesas não tem a atração com as cidades acima citadas. Portanto, a ideia de que esses lugares vão encher é um sonho absoluto, porque na maioria das vezes eles são construídos em lugares para os quais os migrantes não querem se mudar, principalmente porque as oportunidades não existem”. Comenta McMahon. Essas cidades fantasmas são um "sintoma do problema" de como a economia chinesa funcionava, onde o crescimento era impulsionado pela dívida.
"Estamos agora em uma posição na economia chinesa em que tanta dívida foi acumulada no interesse de construir uma quantidade incrível de lixo, seja moradias vazias, fábricas vazias, infraestrutura em cidades onde as autoridades locais nunca poderão pagar. Esse tipo de modelo de crescimento econômico não pode continuar ", disse ele.
"Todo mundo sabe disso. As autoridades em Pequim sabem disso e têm tentado de forma muito agressiva desmamar a economia da dívida e tentar criar um novo motor de crescimento."
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